sexta-feira, 17 de junho de 2011

“Qualquer um pode cozinhar”, por quê?



A frase citada é o lema do Chef Auguste Gusteau, personagem do filme de animação “Ratatouille”. Num dos trechos do filme (http://www.youtube.com/watch?v=thkDWSUzQDo), Chef Gusteau diz ao rato Remy: “sou um personagem da sua imaginação”.


Na vida real - mas ainda na imaginação - “eu posso cozinhar” é também a voz da fantasia de muita gente que se aproxima das fronteiras da Gastronomia.

Mais de dez anos marcam o crescimento dos cursos de Gastronomia no Brasil, seja na modalidade de tecnológicos, cursos livres, workshops, oficinas... Por estes cursos, milhares de pessoas já tiveram a experiência de vivenciar a proposta destas instituições que se propuseram ensinar a cozinhar.

A pergunta é: hoje, qualquer uma destas pessoas pode realmente cozinhar? E quem pode ser um chef? Segundo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE): hoje, (quase) todos podem ser um chef.

O MTE realiza uma publicação denominada Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), definida como: “documento normalizador do reconhecimento, da nomeação e da codificação dos títulos e conteúdos das ocupações do mercado de trabalho brasileiro. É ao mesmo tempo uma classificação enumerativa e uma classificação descritiva”. Ressaltando que o reconhecimento é “para fins classificatórios, sem função de regulamentação profissional”, mesmo porque, chef de cozinha (ainda) não é uma profissão regulamentada.

Comparando duas versões desta publicação, observa-se que muita coisa mudou para um chef de cozinha.


A versão de 1994 dizia que um chef de Cozinha:


“Organiza, coordena e controla o serviço de cozinha em restaurantes, hotéis, clubes, hospitais, indústrias e outros estabelecimentos do gênero, elaborando cardápios, orientando e verificando a execução das receitas e zelando pela ordem e higiene do local, para assegurar bom atendimento aos comensais”.

Segundo a descrição do seu trabalho, um chef:


- “elabora o cardápio do dia, observando o provável número de comensais e a preferência dos fregueses habituais, para selecionar os pratos a serem oferecidos;

- requisita e autoriza a compra de gêneros alimentícios, observando a qualidade, quantidades necessárias e formas de estocagem e controle, para suprir o setor e assegurar a confecção dos pratos;

- controla os serviços de cozinha, orientando e verificando a preparação e confecção dos pratos, tipos, guarnição e quantidade a ser servida, para assegurar-se da perfeição dos cozinhados e de sua correspondência às receitas e ao cardápio;

- zela pela qualidade da mão-de-obra empregada, aferindo seu desempenho e programando eventuais treinamentos, para manter o bom padrão dos serviços prestados;

- organiza o trabalho da cozinha na realização de banquetes e serviços especiais, elaborando menus e cardápios, definindo porções e preparando escalas de revezamento do pessoal a ser utilizado, para assegurar o seu perfeito funcionamento;

- providencia o levantamento dos equipamentos e utensílios da cozinha, programando inventários e outras formas de controle, para preservar o patrimônio;

- verifica a ordem e a limpeza do material utilizado e das instalações, inspecionando o local de trabalho, equipamentos e utensílios em uso, para garantir sua boa apresentação e higiene.”


Até os anos 90, a natureza das atividades de um chef era, predominantemente, gerencial, envolvendo o controle, a organização e a coordenação da cozinha.


Em 2002, a versão da CBO trouxe um quadro muito diferente.

Descreve que chefs:

"Criam e elaboram pratos e cardápios, atuando direta e indiretamente na preparação dos alimentos. Gerenciam brigada de cozinha e planejam as rotinas de trabalho. Podem gerenciar, ainda, os estoques e atuar na capacitação de funcionários."


Identifica como as características do seu trabalho que chefs:

"Trabalham predominantemente em restaurantes, concessionárias de alimentação e em residências. Trabalham individualmente ou em equipe, sob supervisão ocasional, em ambiente fechado, em horários diurno e noturno, por vezes irregulares."


Em termos de formação e experiência:

“O exercício dessas ocupações requer ensino médio completo ou curso superior de tecnologia, podendo seguir cursos de especialização que variam de duzentas a quatrocentas horas. Os profissionais dessa família ocupacional costumam, por sua experiência, atingir a mais alta posição em sua estrutura de trabalho. O pleno desempenho das atividades ocorre entre três ou quatro anos de exercício profissional, para o chefe de cozinha. Já os tecnólogos em gastronomia não necessitam de nenhuma experiência profissional prévia para exercer suas atividades.”

Nesta ultima versão, observa-se houve especificações mais detalhadas e uma maior abrangência em relação a “quem”, “onde” e “como” alguém pode ser chamado de chef.

Chefs de Cozinha, não precisam necessariamente, chefiar uma equipe. E nem precisam possuir vínculo com um estabelecimento de food-service. Ainda, aqueles que completarem a sua formação num curso tecnológico, os que desejarem se autodenominar "chef", será um chef, independente dos outros concordarem ou não.


Muitos ficarão - se já não ficaram somente com o trecho acima - aliviados ou surpresos (ou mais revoltados) com o que irão encontrar ao lerem todo do material (http://www.mtecbo.gov.br/). Mas, antes de tomar como verdade o que alguns chefs ou escolas querem - ou supõem - que seja esta profissão, é importante conhecer como esta ocupação é descrita, aceita e reconhecida oficialmente aqui no Brasil.


Ao lerem e analisarem os itens "Áreas de Atividades" e "Competências Pessoais" contidos no site, perceberão que metade das atividades e competências de um chef ainda são administrativas - em outras palavras, este profissional é, basicamente, um cozinheiro que administra (nota: é necessário repensar na grade curricular dos cursos tecnológicos de Gastronomia, pois nela não há disciplinas da área de administração nesta proporção e com objetivo de desenvolver estas competências).


Uma outra questão: por quê a CBO é tão diferente do que costumamos ler na mídia sobre chefs?


A resposta está no primeiro item: "Histórico da CBO", onde há a descrição da metodologia deste trabalho. Em resumo, a CBO não parte de uma descrição de um livro sobre o que deveria ser uma profissão para daí, "forçar um encaixe" ou "fazer um recorte" da realidade. Pelo contrário, convida um grupo de pessoas que exercem atividades similares e perguntam a elas: "o que vocês fazem?" e "quem são vocês?". E aí está retratada a nossa realidade: somos assim - também - como mostra CBO.

Se desejarmos obter melhorias duráveis, primeiro precisamos tomar consciência que o nosso trabalho do dia-a-dia - seja como formadores, estudantes ou profissionais que já atuam como cozinheiros e chefs - traz reflexos ao longo do tempo.


E depois, aceitar e respeitar como realmente somos.

De 2002 para uma nova edição, é muito provável que novas alterações significativas possam ser retratadas.

foodtrends: http://www.facebook.com/home.php#!/pages/Foodtrends/163984490332764