terça-feira, 14 de junho de 2011

A Desconstrução da Carreira de Chef



As carreiras mudaram - todas.

E na área da Gastronomia, não poderia ser diferente.

Lapidar é a frase de Bohoslavsky: “a pessoa não é senão o que procura ser”. Existe o desejo de “ser” que quer, relacionando-se com as mudanças ambientais, mudar continuamente para adaptar-se e realizar-se.

Um artigo intitulado “Life designing: A paradigm for career construction in the 21st century”, do Journal of Vocational Behavior, traz reflexões realizadas por especialistas de 9 países sobre as mudanças ocorridas nas carreiras neste século. E também, apresenta as possibilidades de abordagem de Coaching (ou aconselhamento de carreira, ou orientação profissional/vocacional, citando outros termos mais conhecidos, com ressalva que alguns autores consideram como definições distintas), considerando-se estas mudanças e as diferenças contextuais de cada país.

Influenciados pela globalização e o rápido avanço tecnológico, a necessidade de realização profissional também passa pela reestruturação: pessoas querem ampliar e diversificar campos de atuação. E mais: querem visualizar resultados imediatos – como se tudo que fazem, fosse um “click” de mouse ou um toque na tela.

“O Futuro tem uma importância atual-ativa enquanto projeto (…), e faz parte de sua estrutura de personalidade, nesse momento”, diz ainda Bohoslavsky. Hoje, as perspectivas parecem menos definidas e previsíveis e as transições de carreira são mais freqüentes e difíceis, criando uma sensação de angústia e solidão. Angústia vivenciada pela constante exposição ao novo e a solidão, pela transição que envolve o abandono do antigo para incorporar novos paradigmas.

Não se trata de uma simples ansiedade ou imaturidade, mas sim, de mudanças de fatores contextuais que criam a necessidade de desenvolver novas competências que envolvem: o constante aprendizagem e flexibilização, a incorporação de inovações e a criação de suas próprias oportunidades – ou seja, a apropriação do poder de gerenciamento de carreira passou para o indivíduo.

Na Gastronomia, o crescente número de estabelecimentos de ensino e práticas em culinária coloca um novo desafio para o mercado de trabalho: a inserção – e a realização - das pessoas que se sentiram atraídas por estes núcleos de formação. Este grupo representa uma variedade de critérios de escolha profissional: incluem as que optam como primeira carreira, os que passam por um processo de reavaliação e também os que procuram um simples lazer.

Porém, assim como em todas as áreas, o antigo modelo de permuta entre o profissional que oferece dedicação e fidelidade e a empresa que garante a estabilidade e a possibilidade de ascensão também já não satisfaz os que tentam ingressar (e permanecer), em Gastronomia.

Norteados por uma série de procedimentos e técnicas operacionais que exigem tempo e dedicação para se obter um domínio - estruturando assim, um modelo de carreira em Gastronomia, este modelo hoje passa por uma necessidade de revisão tanto para os profissionais quanto para os estabelecimentos de food-service que oferecem oportunidades de trabalho.

A carreira na área de Gastronomia deve se desenvolver através de um novo processo de formação da identidade profissional – não mais linear, pré-formatado, onde inicia-se como um commis ou Auxiliar de Cozinha para atingir o cargo de Chef de cozinha.

Especialistas apontam no artigo citado, cinco pressupostos sobre a vida no trabalho:

· As fronteiras do mercado possuem linhas tênues configuradas pelas possibilidades associadas ao contexto: “a identidade profissional é moldada pela auto-organização das múltiplas experiências da vida no dia-a-dia”. Quanto mais diversificada for a natureza das tarefas e a capacidade individual para a sua execução, tanto maior serão as possibilidades de formação de um profissional com atuação mais ampla.

· O vínculo com o trabalho caracteriza-se pelos processos dinâmicos: “o emprego atual está cada vez mais baseado em situações de mutualidade reconhecidas como “ganha-ganha”, de curto prazo, e obrigações mútuas restritas”. Enquanto chefs queixam-se da falta de comprometimento a longo prazo dos novos profissionais, insistindo em atribuir-lhes conhecimento e informações técnicas através de práticas rotineiras, os novos profissionais buscam, nas oportunidades de trabalho, o “como” (e não mais “o que fazer”) sobreviver e enfrentar as necessidades de mudanças constantes.

· A noção de causalidade também tornou-se obsoleta: as realizações de hoje não são garantias de sucesso de amanhã. As expectativas estão atualmente formatadas em progressão não-linear: “cadeias decisórias mutantes e complexas são a regra”. Guias com “passo-a-passo” para obter sucesso na carreira de Chef, como a publicação Tasting Success: Your Guide to Becoming a Professional Chef, trazem uma série de recomendações e regras (todas muito úteis e verdadeiras) para como ser bem sucedido nesta profissão: amplitude de atuação, valores éticos e hábitos, gerenciamento do tempo, administração de investimento, etc Porém são geralmente desvinculados dos conflitos internos individuais e fatores ambientais. Experienciar atividades profissionais deve traduzir as variações, a amplitude e a profundidade que uma vida mais plena e intensa proporciona.

· Perspectivas múltiplas e padrões individuais multifacetadas: “em todas as idades, as pessoas retornam à escola, buscam formação, perdem seus empregos e divorciam-se, sem perder,necessariamente, o reconhecimento social” ou a possibilidade de manterem-se na inclusão social. A passagem de um grupo social para outro não está mais relacionada ao desempenho de um único papel, mas sim, de uma multiplicidade de papéis assumidos e em variados níveis de realização. A busca por soluções satisfatórias e duráveis concretiza-se através de constante avaliação de resultados de experimentações realizadas a partir de hipóteses que consideram a complexidade dos meios com os quais o indivíduo interage.

Se a desconstrução de receitas tradicionais faz parte de uma tendência, uma carreira reinterpretada em Gastronomia também deve levar em consideração as bases tradicionais para o reconhecimento e as mudanças para a sua sobrevivência.




Referências bibliográficas:

• BOHOSLAVSKY, R. Orientação Vocacional – A Estratégia Clínica. Trad. José Maria Valeye Bojart. São Paulo, Martins Fontes, 1982.
• SAVICKAS, M. L.,Nota, L., Rossier, J., Dauwalder, J.-P., Duarte, M. E., Guichard, J., et al. “Life designing: A paradigm for career construction in the 21st century”. Journal of Vocational Behavior, 75(3), 239-250, 2009, December.
• CARROL, Charles.Tasting Success: Your Guide to Becoming a Professional Chef, New Jersey, John Wiley & Sons, Inc., 2011.

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