quarta-feira, 15 de junho de 2011

Escolher ser um chef: uma conversa para gente adulta



Robert Stalzer, aos 34 anos, perdeu seu emprego de equities trader numa empresa de Zurique e, decido a nunca mais trabalhar na área bancária, resolveu fazer um curso no Institute of Culinary Education, em Nova Iorque. Queria voltar a Suíça como um Chef. Calculou que o investimento necessário para realizar este percurso seria de aproximadamente 20 mil dólares pelos onze meses de curso. Mesmo preocupado com as diferenças salariais entre as duas áreas, o que o levou a Gastronomia foi a “prova de nervos” e o esforço para “ser o melhor” que esta área instiga.


Este episódio é relatado na edição de 03 de setembro de 2003, de The New York Times. Florence Fabricant, em seu artigo “Dog Ate Your Homework? Fall on Your Bread Knife” traça um perfil típico dos estudantes de Gastronomia de hoje. Desde 2001, a procura pelos cursos cresceu mais de 100% e o público é constituído, em sua maioria, por pessoas com mais de 30 anos de idade, vindos de áreas como financeira, jurídica, comunicação, informática, vendas e até mesmo militar. O artigo segue com outros exemplos e traça um panorama da expansão dos cursos de Gastronomia nos EUA.

Três aspectos deste breve relato é importante destacar:
· A pessoa enfrentou uma perda (voluntária ou não, perdas implicam em lutos internos);
· Houve uma tentativa de valorização da vida (não por acaso, o maior crescimento pela procura por um curso de Gastronomia nos EUA observou-se após o atentado de 11 de setembro);
· A nova opção envolveu critérios emocionais, ou seja, recaiu sobre uma atividade que inclui uma vivência mais intensa e não predominantemente racional.


No Brasil, o quadro apresentado pela Fabricant não difere muito. Porém, guardadas as diferenças culturais, uma questão merece um olhar mais detalhado: a mudança de profissão na fase adulta. E a opção pela Gastronomia.


O processo de mudança de profissão quando adulto não tem a mesma dimensão que de um adolescente que faz a sua primeira escolha profissional - não significando com isso, que para os mais jovens seja mais fácil. É diferente, apenas.


E também é preciso diferenciar “carreira” de “profissão”. Simplificando, “carreira” é um processo contínuo de desenvolvimento das aspirações vocacionais – como se fosse uma missão a ser cumprida ao longo da vida. “Profissão”, que vem do latin “profissione / professu” significa perito, ou seja, uma ocupação, uma tarefa específica. É possível cumprir uma missão através de tarefas diversificadas.

Quando chega o momento da decisão, muita coisa já aconteceu internamente. Muitos critérios, valores e aptidões já estão formados e é a hora de pensar em quem ser futuramente. Escolhas que envolvem identidade futura são difíceis porque implicam em expectativas de ganhos qualitativos e perdas quantitativas atuais. Para adultos, estes que são responsáveis pelo ato da vontade, decidir significa ser a própria decisão.


Operacionalmente, trabalhar na cozinha significa fazer compras de manhã cedo (às vezes, de madrugada), lavar pilhas pratos e panelas, limpar o fogão, arrumar estoques, organizar câmaras frias e de congelados, ficar sem fins de semana e feriados livres e… claro, cozinhar sob pressão de tempo, pessoas, clientes… Ou sem nada disso, anunciando o evidente fracasso do empreendimento. É precisar fazer de tudo isso a paixão que faz levantar-se da cama cedo todos os dias e acreditar que é para isso (também) que se veio ao mundo. Paixão em harmonizar, criar e servir comida não é tudo (mas sim, segura uma boa parte da crise).


Um artigo intitulado “Personalidades vocacionais e processos de carreira em vida adulta” mostra uma pesquisa realizada com mais de 700 adultos avaliando a relação entre o comprometimento profissional na atual ocupação e o grau de imobilização devido a dificuldades em encontrar alternativas de desenvolvimento de carreira.

Seus autores (Magalhães & Gomes, 2007) citam que “o comprometimento de carreira engloba os comportamentos do indivíduo em relação a sua permanência numa ocupação e, principalmente, em relação ao seu processo contínuo de desenvolvimento profissional. Apontam que existem três dimensões do comprometimento com a carreira: identidade (a definição de si mesmo), a administração do estresse associado a vida profissional e o planejamento das metas de carreira. (Carson & Bedeian, 1994).


Complementa ainda que o período de vida adulta é propício a enfrentar maiores dificuldades de transição “pois as oportunidades de crescimento restringem-se, aumenta o risco de obsolescência profissional e há maior incerteza sobre o futuro,” (…) principalmente devido aos custos emocionais que associa a uma mudança na carreira.


Conclui o artigo que a capacidade de enfrentamento de transições de carreira pode ser desenvolvida a partir do treinamento em habilidades sociais e em ser mais assertivo. Aponta ainda que as variáveis vocacionais e de personalidade tornam-se mais salientes quanto mais instáveis, fragmentadas e transitórias foram as condições do mercado de trabalho.


Um programa de coaching para fase de transição deve considerar os conflitos internos de cada pessoa que enfrenta a transição - e também - identificar e compreender as tendências mais duradouras de mercado. Isso, claro, caso o objetivo da pessoa seja o de, além de efetuar a mudança, permanecer e  desenvolver-se no novo campo de atuação.

Impossível, não é.


Referências Bibliográficas:



• FABRICANT, F. “Dog Ate Your Homework? Fall on Your Bread Knife” in The New York Times, September 03, 2003
• MAGALHÃES, M. O., GOMES, W. B. “Personalidades vocacionais e processos de carreira em vida adulta” in Psicologia em Estudo, Maringá, v. 12, n. 1, p. 95-103, jan./abr. 2007



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